Cavernas de máxima relevância dotadas de fauna recém-descoberta e pouco estudada. Nascentes que correm para o Rio das Velhas ajudam a diluir a sua poluição. Muros de pedras que serviam de pouso para o gado que alimentava as Minas do século 18 e um raríssimo cacto denominado Arthrocereus glaziovii, espécie ameaçada de extinção que só ocorre nas montanhas de canga de minério de ferro do Quadrilátero Ferrífero. Todo esse patrimônio se encontra ameaçado, de acordo com ambientalistas, após a implantação de novo projeto de mineração ter sido permitida na Serra do Curral pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), na madrugada do dia 30 de abril. Por 8 a 4, os conselheiros votaram a favor do projeto da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa), que prevê a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST) em uma área equivalente a 1.200 campos de futebol, na região da Fazenda Ana Cruz, entre BH e Nova Lima.
Ontem, primeiro dia útil depois de os conselheiros do Copam concederem a permissão, a reportagem do Estado de Minas foi até os locais onde a Tamisa instalará a exploração de minério de ferro. Os acessos por estradas e trilhas para chegar próximo ao empreendimento estavam fechados pela mineradora, que controla esses caminhos. Para mostrar a riqueza natural ameaçada, a reportagem teve de trilhar por 7,5 quilômetros de vias alternativas, muitas delas abertas naturalmente por enxurradas, tendo de retornar por Nova Lima.
A mina terá três pontos de extração de minério de ferro, que são as cavas. No interior da vegetação de campos rupestres, no caminho para o espaço reservado para a instalação da Cava Norte do projeto foi encontrada uma caverna já muito impactada. Acima de uma das trilhas, o túnel se aprofunda a mais de dois metros do chão em um dos paredões da serra. Vândalos deixaram pichações, mas uma grande rachadura parece se ampliar com o tempo e pode sofrer e até desabar caso ocorra movimentação pesada da atividade minerária na Cava Norte, a 600 metros dali.
E essa não é a única cavidade rochosa dentro ou próxima à área destinada ao empreendimento minerário. Ao todo, há 49 cavernas nessa situação de alerta, sendo 12 delas de alta relevância, ou seja, são necessárias compensações para atividades que as ameaçarem. Uma das cavernas, que fica a apenas 200 metros da futura cava, é considerada de máxima relevância e não pode ser impactada. E um dos motivos para essa importância está em um inseto que vive ali e que ainda nem sequer recebeu um nome.
“É impensável se permitir um empreendimento tão próximo de cavernas como essas. Na caverna de máxima relevância está sendo estudado um opilião (um aracnídeo, como as aranhas) que apresenta características troglomórficas (pode ter se adaptado ao ambiente de cavernas) e ainda não foi descrito. O animal é minúsculo, tem apenas dois milímetros de comprimento. Mesmo pequenas modificações no ambiente da caverna, como a poeira gerada pela mineração, já poderiam comprometer totalmente a vida desse animal na gruta que fica a 200 metros da cava”, observa o professor de química pesquisador em espeleologia e ambientalista, Luciano Faria.
Do alto da serra, corre também muita água. E impactos sobre esses recursos hídricos também são uma preocupação dos ambientalistas que defendem a não instalação do projeto da Tamisa. Só no mapeamento de drenagem de córregos há 24 nascentes descendo das rochas de canga da serra para o Rio das Velhas, em Nova Lima e Raposos, onde a poluição já é grande e, por isso mesmo, quanto mais água de boa qualidade melhor para a flora e a fauna do rio.
Em toda a Serra do Curral sobrevive o cacto Arthrocereus glaziovii, ameaçado de extinção, em boa parte devido à mineração nas montanhas do Quadrilátero Ferrífero, único local no planeta onde existe essa espécie. A existência do cacto motivou inclusive o fechamento a turistas da travessia pela serra entre os parques das Mangabeiras e Serra do Curral. Impacto certamente muito menor do que a remoção de cactos para escavar minas, erguer pilhas de rejeitos e abrir estradas.
Tão raro quanto o cacto endêmico do Quadrilátero Ferrífero é o testemunho de sua floração, que ocorre apenas à noite e nos meses de dezembro e janeiro. É nesses meses que as cores das pétalas do cacto se unem às das demais flores selvagens em várias cores: amarelas, azuis, roxas e brancas, entre outras.