Segunda geração de vacinas está em teste

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Mais de 240 novas substâncias estão sendo desenvolvidas em laboratórios, sendo 11 delas na fase final dos estudos (foto: RODGER BOSCH/AFP)

 

Há um ano, o mundo aguardava, ansioso, a aplicação das vacinas anticovid-19, algo que iria acontecer a partir de dezembro, com o Reino Unido imunizando a primeira pessoa não participante de um ensaio clínico. Agora, com cerca de 40% da população global tendo recebido ao menos uma dose, novas substâncias estão sendo desenvolvidas em laboratórios – até pouco mais de uma semana atrás, mais de 240, sendo 11 delas na fase final dos estudos, segundo a Regulatory Affaris Professionals, organização mundial que acompanha a regulação de produtos e serviços de saúde.

Embora as vacinas disponíveis atualmente estejam se saindo bem nos testes de eficácia – com dados do mundo real e envolvendo um grande número de pessoas dos cinco continentes –, a segunda geração dos imunizantes pode, com abordagens inovadoras, reduzir ainda mais a mortalidade e a taxa de transmissão. Além disso, mesmo substâncias baseadas em plataformas tradicionais são importantes, porque, assim, amplia-se a oferta. Enquanto muitos países, incluindo o Brasil, já aplicam o reforço em profissionais de saúde, idosos e imunossuprimidos, mais da metade da população mundial não teve acesso a sequer uma dose.

“A demanda global por vacinas para COVID-19 permanecerá alta na próxima década, devido ao surgimento de variantes letais do Sars-CoV-2, que escapam (das atuais)”, diz Robin Shattock, que lidera o projeto de pesquisa de imunizantes para COVID-19 no Imperial College de Londres. Neil King, pesquisador da Universidade de Washington em Seattle e cofundador da startup Icosavax, aposta no que chama de “era digital do desenvolvimento de vacinas”, usando métodos computacionais para fabricar substâncias que agem em nível atômico, melhorando a eficácia e aumentando a imunogenicidade das pessoas vacinadas.

O laboratório de King, na Universidade de Washington, utiliza a inteligência artificial para prever como as proteínas se comportam e se dobram em formas específicas. O objetivo é, a partir dessa informação, produzir nanopartículas que imitam as características proteicas virais. “Em última análise, acho que o design de proteínas computacionais, em combinação com tecnologias novas e antigas, vai nos permitir fazer vacinas muito mais seguras e eficazes”, diz.

A vacina da Universidade de Washington tem como alvo o domínio de ligação ao receptor, uma parte da proteína spike que se funde com as células do hospedeiro. Os pesquisadores criam sinteticamente essas estruturas que, anexadas a nanopartículas esféricas, estimulam uma resposta imunológica no mínimo 10 vezes maior, comparada às substâncias que usam spike inteira em sua fabricação. Segundo King, é uma abordagem totalmente nova, que será útil para a neutralização de outros vírus, além do Sars-CoV-2. Atualmente, o imunizante está na fase 1 de testes na Icosavax.

ABORDAGENS AVANÇADAS

No Imperial College de Londres, a equipe chefiada por Robin Shattock aposta na segunda geração de uma tecnologia que já é inovadora, a das vacinas genéticas. Antes da COVID-19, nenhuma substância do tipo havia sido utilizada; as primeiras foram as da Pfizer/BioNTech e da Moderna. A plataforma pesquisada por Shattock usa um código genético denominado RNA de auto-amplificação (saRNA), que treina o sistema imunológico no reconhecimento e na resposta às ameaças externas – nesse caso, o Sars-CoV-2.

Porém, há uma importante diferença em relação à abordagem de mRNA. Uma vez injetada no músculo, a mensagem genética faz cópias de si mesma (se auto-amplifica), gerando um número de “instrutores” bem maior. Isso significa, diz o cientista, que ela pode produzir respostas imunológicas fortes e consistentes em uma dosagem muito menor que de outras vacinas baseadas em RNA.

O primeiro ensaio da substância foi publicado recentemente na plataforma de pré-impressão da The Lancet – quando o artigo ainda não foi revisado por outros cientistas que não fazem parte da pesquisa. O estudo mostrou que a vacina de saRNA gerou resposta imunológica em 87% dos 192 participantes, mesmo em doses extremamente baixas. “Agora, estamos refinando a plataforma para desenvolver vacinas para uma variedade de outras doenças infecciosas, além da COVID-19”, diz Shattock.

 

MÚLTIPLOS ALVOS

Outra plataforma promissora – não só para COVID-19, mas no combate a doenças como ebola, malária e tétano – é a da subunidade. Essa tecnologia, que consiste em usar os antígenos purificados ou sintéticos dos patógenos, precisa de um empurrãozinho para que o sistema imunológico reconheça o micro-organismo que se quer combater, são os chamados adjuvantes. Trata-se de substâncias químicas que aumentam a eficácia da vacina.

Na Universidade de Maryland, nos EUA, a plataforma é usada nos testes da NVX-CoV2373, desenvolvida pela start-up de biotecnologia Novavax. “A vacina contém antígenos proteicos que não podem se replicar ou causar a COVID-19. Mas os anticorpos gerados por ela ajudam a proteger o corpo do vírus real”, descreve o infectologista Stuart Cohen, que lidera os estudos. Produzidas em reatores a baixo custo, as subunidades da proteína spike foram adicionadas a um adjuvante patenteado pela companhia. Ele é feito de saponina, derivado da casca de uma árvore chilena.

Há três semanas, resultados de fase 3 da NVX-CoV2373 foram publicados na plataforma de pré-impressão medRxiv. O estudo, feito com 30 mil adultos com mais de 18 anos no México e nos EUA, mostrou que a substância oferece 100% de proteção contra a forma moderada e grave da doença, com eficácia geral de 90,4%. Segundo Cohen, uma das vantagens dessa nova tecnologia é que a vacina pode ser armazenada em estado líquido a uma temperatura entre 2 °C e 8 °C, dispensando a necessidade de freezers especiais, como os exigidos pelos imunizantes à base de RNA.

Com Estado de Minas